O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) anunciou nesta sexta-feira (9) que instaurou um novo inquérito para investigar, na esfera criminal, possíveis envolvidos em um suposto cartel em licitações do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), em São Paulo, incluindo executivos de empresas e agentes públicos. Segundo o promotor Marcelo Mendroni, as empresas envolvidas são tratadas como "organizações criminosas" nesta nova investigação.
"São milhões, talvez bilhões envolvidos. Existem fortes indícios de crime de formação de cartel e fraudes a licitações", afirmou o promotor, que será o responsável pelo procedimento. Mendroni faz parte do Grupo de Atuação Especial de Repressão à Formação de Cartel e à Lavagem de Dinheiro, e de Recuperação de Ativos (Gedec).
"Essas empresas que praticam crime de cartel são tratadas por nós do grupo de combate a delitos econômicos como organizações criminosas, embora sejam empresas, teoricamente, licitamente constituídas, elas têm que ter esse tratamento, quando praticam cartel, o crime mais grave da concorrência", afirma Mendroni.
Ainda segundo o promotor, o crime de cartel se configura independentemente de um resultado. "A mera reunião, um acordo, ajuste das empresas, mesmo que não cheguem ao resultado de fraudar a licitação, só o acordo já faz configurar o crime de cartel", afirmou. Já a fraude à licitação deve ser concretizada, diz.
Os executivos das empresas envolvidas poderão ser responsabilizados por formação de cartel e fraude a licitações. Já os agentes públicos só poderão ser denunciados por fraudes a licitações, já que o cartel envolve apenas empresas.
Se alguma das empresas for condenada, seus funcionários estarão sujeitos a penas que vão de 20 a 45 anos de reclusão, segundo a Promotoria.
As penas se referem à participação nos cinco projetos investigados. São concorrências da Linha 5-Lilás do Metrô; manutenção de trens das séries 2000, 3000 e 2100; expansão da Linha 2-Verde do Metrô; projeto Boa Viagem; e aquisição de 320 a 64 carros, entre 1999 e 2009.
Ainda de acordo com o MP, o procedimento instaurado nesta quinta (8) está sob sigilo e conta com informações encaminhadas pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) ao Ministério Público, após um acordo de leniência assinado pela empresa Siemens, que delatou ao conselho a existência do suposto cartel.
"Ali [nos documentos do Cade] me parece que existem provas diretas da existência do cartel", disse ainda o promotor, que deve começar a analisar as cerca de 2.000 páginas de inquérito já existentes.
O Cade já investiga a suposta formação de cartel para licitações do Metrô de São Paulo e do Distrito Federal na esfera de ilícitos econômicos. Segundo reportagem do jornal "Folha de S. Paulo", a Siemens entregou documentos nos quais afirma que o governo de São Paulo sabia e deu aval à formação de um cartel que envolveria 18 empresas.
Entenda o caso
Os executivos da Siemens não poderão ser denunciados desde que colaborem com as autoridades, informou o MP-SP. Já os possíveis agentes públicos envolvidos poderão ser acusados por "qualquer facilitação na elaboração de editais, no direcionamento, no cancelamento de habilitações".
"O crime exige uma atuação direta no contrato. Pode haver outros crimes envolvendo corrupção para além do contrato", disse Mendroni. Já sobre a sugestão para que se faça o cartel, ele afirmou que é preciso avaliar.
"A prática de cartel é sistêmica no Brasil", disse o promotor. "A nossa dificuldade é conseguir essas provas. Isso ocorre em todas as esferas: estadual, municipal, federal. Pela lei de hoje, [o cartel] é um crime que compensa para o empresário", concluiu Mendroni.
Também nesta sexta, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), criou uma comissão externa para acompanhar as investigações das denúncias de formação de cartel. O grupo chamará Movimento TranSParência. Segundo o governo, a comissão terá independência e acesso a contratos e documentos para identificar e apontar possíveis problemas.
Inquéritos abertos
Além da esfera criminal e econômica, o MP já havia anunciado apurações na esfera cível.
Desde 2008, a Promotoria de Justiça da Cidadania da capital investiga em 45 inquéritos sobre possíveis irregularidades em licitações do Metrô e CPTM.
Em um deles, são 90 aditivos feitos em 11 contratos com o Metrô, com indicação de aumento do valor contratado, classificado pelo MP de "absurdo"; troca de empresas depois de homologada a licitação; alteração do objeto do contrato e prorrogação excessiva dos prazos estabelecidos.
Propina a partidos
Segundo reportagem do jornal "O Estado de S.Paulo", a empresa Alstom, uma das citadas pela Siemens e que já era investigada desde 2008 no Brasil, teria destinado mais de US$ 20 milhões em propinas ao Brasil - parte do dinheiro foi pago a partidos políticos, nos anos 1990.
O jornal "Folha de S.Paulo" informou nesta sexta que um diário escrito por um executivo da multinacional alemã Siemens descreve que o governo de São Paulo teria pressionado as empresas que disputaram um contrato milionário do metrô no fim da década de 1990 a fazer um acordo para dividir a encomenda.
Serra nega acordo
O jornal também divulgou que, em e-mail enviado a superiores em 2008, um executivo da Siemens diz que o então governador José Serra (PSDB), à época governador, sugeriu que a empresa entrasse em acordo com uma concorrente para evitar que uma possível disputa judicial pelo contrato provocasse atraso na entrega de trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Serra negou e disse que a CAF não recebeu nenhum tipo de compensação (leia: "Serra nega conversa com executivo da Siemens e vê informação "absurda").
A Siemens afirma cooperar "integralmente com as autoridades, manifestando-se oportunamente quando requerido e se permitido pelos órgãos competentes" e salienta que "não pode se manifestar em detalhes quanto ao teor de cada uma das matérias que têm sido publicadas".
A Alstom esclareceu que recebeu um pedido do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) para apresentar documentos relacionados a um procedimento administrativo referente à lei concorrencial. "A empresa está colaborando com as autoridades", diz.
O Ministério Público informou que não pode se manifestar sobre as investigações em razão do sigilo. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), disse considerar "lamentável" que o estado precise acionar a Justiça para ter acesso a documentos da investigação promovida pelo Cade e que, "se caracterizar o cartel, o estado é vítima".