Na capital portuguesa, para onde voltou depois da sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que negou o habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para participar do 6º Fórum Jurídico de Lisboa, o ministro Gilmar Mendes criticou a decisão da presidente do STF, Cármen Lúcia, de não pautar as ações declaratória de constitucionalidade (ADCs) sobre prisão em segunda instância. Segundo ele, “para quem queria superar a insegurança jurídica, na verdade, produziu mais uma”, afirmou. “Tudo isso me parece, em bom português, uma bagunça, uma escolha infeliz.”
Todos se perguntam o que será agora, ou seja, depois da decisão de ontem, como é que o senhor vislumbra a questão do HC no STF? Outros também vão ser presos?
Na verdade, outros já estão presos. Esse debate foi recolocado na ADC e também no HC do ex-presidente e daí houve essa opção da presidente Cármen Lúcia, primeiro de não colocar esse processo em pauta. Depois, ao decidir pela pauta, fazer pelo processo subjetivo, não por processo objetivo, que seriam as ADCs. Em princípio, (ADC ou HC) para mim, não é relevante, até falei na decisão de ontem. Se a matéria é submetida ao plenário, qualquer que seja o processo trará a orientação do Tribunal. Mas não foi o que se viu. Ontem, vimos a ministra Rosa Weber declarar que se sentia vinculada à decisão anterior e que, portanto, não votaria no mérito da ADC, mas manter-se-ia a decisão anterior. Isso redundou, diante do escore muito apertado, no indeferimento do habeas horpus do ex-presidente. Significa dizer que, se tivesse decidido a ADC, ela teria sido acolhida. O que leva também a uma grande insegurança jurídica. Para quem queria superar a insegurança jurídica, na verdade, produziu mais uma.
Isso significa que, quando vier a ADC para a pauta, o ex-presidente pode ser solto?
Estabelecido o processo, ir até o STJ e tudo mais, significa que a prisão será indevida. Tudo isso me parece, em bom português, uma bagunça, uma escolha infeliz.
Como assim uma bagunça?
A rigor, deveríamos ter definido a matéria no próprio HC. Ou se havia esse prurido ético da ministra Rosa Weber, que a ADC fosse pautada. Então, isso gerou toda essa celeuma e não encerra a pendência. Certamente hoje o grupo de advogados de Lula está lá pedindo que se vote a ADC.
Mas a presidente Cármen Lúcia já falou que não quer e não vai colocar as ADCs em pauta
Isso não pode ser uma deliberação dela. Aí, é importante que se diga: a presidente não é dona da pauta. Ela tem o direito de agenda, mas, a rigor, diante de temas dessa relevância, é o plenário que decide. Com todo o respeito e toda a delicadeza que a questão envolve, ela não é senhora da pauta. Não é dona do Tribunal. Essa é uma escolha malfeita a priori. Se se sabia que já havia esse prurido da ministra Rosa Weber, a matéria que deveria ter sido colocada na agenda era a ADC. Até porque, segundo anunciou a ministra Rosa, ela manterá o seu voto no sentido da necessidade do trânsito em julgado. Portanto, significa dizer que, ao não se fazer dessa forma, muitas pessoas serão encarceradas indevidamente.
Ou seja, serão encarceradas agora para soltar logo ali na frente?
Sim, logo não faz sentido isso.
E se ficar para setembro? Ele pode ser solto faltando um mês para a eleição?
Veja, a gente tem que evitar fulanizar. Aí mais uma razão tem o ministro Marco Aurélio ao dizer que tinham que ter sido postas as ADCs. Falou-se tanto em não fulanizar o debate, mas acabou se fulanizando por causa da pauta do HC.
Então, a presidente Cármen Lúcia errou?
Acho que foi um equívoco. Terá lá as suas razões. Mas, se ela sabia ainda desse prurido da ministra Rosa, que eu considero não justificável, tanto pior. Porque significa que ela fez essa escolha para obter esse resultado.
Direcionou, no caso?
Independentemente do juízo que se possa fazer, o que se quer? Um símbolo preso? Não faz sentido algum. E eu sou insuspeito para dar opinião sobre esse assunto. Então, veja, o próprio Tribunal pediu que se colocasse, em suma, não vale a pena perder tempo com defunto ruim. Mas é um dado inevitável: temos um encontro marcado com isso, e é logo.
Agora, isso muda a situação eleitoral do ex-presidente Lula?
Essa situação vem sendo misturada. Independentemente do decreto de prisão do ex-presidente, ele já estaria inelegível. Isso me parece um dado objetivo. Até porque aqui não se discute a sua inelegibilidade. Ele tem uma condenação em segundo grau, portanto, já definida, em crime contra a administração pública. A não ser que ele conseguisse uma liminar para suspender a condenação. Então isso não roça com o tema da prisão. Mas é óbvio que a prisão tem reflexo na questão política como um todo, na viabilidade de participação em campanha e tudo mais. A mim me parece que, de certa forma, essa decisão de ontem (quarta-feira) vai afetar o que a gentechama em alemão de a real politik, a vida real. Em suma, vamos fazer contas: não será candidato, já tem um decreto de prisão, para onde vão esses votos, vai fazer alianças, etc.