Por 55 votos a favor e 10 contra, o plenário do Senado aprovou nesta terça-feira (24) a indicação do procurador-geral da República, Augusto Aras, para um novo mandato de dois anos à frente da instituição. Para ser aprovado e nomeado para a chefia da Procuradoria-Geral da República até setembro de 2023, Aras precisava de ao menos 41 votos favoráveis, ou seja, a maioria absoluta dos 81 senadores. Houve uma abstenção.
Mais cedo, sua recondução havia sido aprovada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa. A comissão foi favorável ao nome de Aras por 21 votos a 6. A votação tanto no plenário quanto na CCJ foi secreta. Com cerca de seis horas de duração, a sabatina de Aras na CCJ foi tranquila e teve poucos momentos de pressão sobre o PGR. Aos senadores, ele repetiu várias vezes que evitou "criminalizar a política" em sua atuação, alfinetou a operação Lava Jato e afirmou que deseja "ser lembrado como o procurador que restabeleceu a função constitucional" da PGR.
A sabatina No cargo de PGR desde setembro de 2019, Aras foi indicado em 21 de julho para sua recondução. Ao escolher Aras, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a ignorar a lista tríplice da ANPR (Associação Nacional de Procuradores da República), o que desagradou a cúpula da PGR. Desde o fim do mês passado, Aras vem sofrendo pressões crescentes para agir diante dos ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral.
O PGR foi cobrado por três ministros do STF para que se posicionasse sobre as declarações do presidente, sem provas, de que houve fraude em eleições anteriores. Na sabatina, Aras negou ter se omitido sobre as falas de Bolsonaro e as repetidas aglomerações promovidas pelo presidente sem o uso de máscaras de proteção contra a Covid-19, entre outros temas.
"Um número crescente de representações criminais tem chegado todos os dias à PGR, muitas veiculando uma tentativa de criminalização de atos políticos ou de manifestações críticas, algumas, inclusive, acobertadas pela imunidade parlamentar", criticou Aras. "Eu me recuso a fazer política, porque eu acho que é covardia usar a caneta para criminalizar a política", completou.
Ataques à Lava Jato
Antes das perguntas dos senadores, Aras fez uma fala inicial de cerca de 30 minutos. No pronunciamento, fez um balanço em números de seus dois primeiros anos à frente da PGR, defendeu a atuação do órgão em áreas como o combate à pandemia e defesa do meio ambiente. Também criticou a operação Lava Jato, que cometeu, segundo ele, uma "série de irregularidades".
"O modelo das forças-tarefas com pessoalização culminou em uma série de irregularidades que vieram a público, tais como os episódios revelados na Vaza Jato", disse ele em seu discurso inicial, em alusão à publicação de mensagens trocadas entre o ex-juiz federal Sergio Moro e procuradores da operação no Paraná.
"Talvez, se nós tivéssemos, a cada duas grandes operações por mês, divulgado, feito o vazamento do seletivo das operações dos investigados, talvez, eu estivesse numa posição de muito elogio como quem distribuiu flechadas para todo o Brasil, criminalizando a política", afirmou Aras em indireta ao ex-PGR Rodrigo Janot, que comandou a instituição no auge da Lava Jato. "Mas assim não o fiz, porque me comprometi com vossas excelências de cumprir a minha função constitucional com parcimônia, sem escândalo, sem estrépito, mas com a dignidade que cada político merece como representante do povo brasileiro", completou.
Voto impresso
Em resposta ao senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator do processo de indicação, Aras falou sobre os processos abertos no STF (Supremo Tribunal Federal) para apurar ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral. Na sabatina, ele defendeu que a PGR não se omitiu no tema. "Não faltou, em nenhum momento, a atuação do Procurador-Geral", defendeu-se. Aos senadores, Aras defendeu que a PGE (Procuradoria-geral Eleitoral), que faz parte da PGR, "manifestou [1] se, claramente, pela idoneidade do sistema de votação utilizado, ante a falta de comprovação de fraudes".
Afirmou, ainda, que a solução para os ataques às urnas eletrônicas foi dada pelo Congresso, ao rejeitar a proposta de voto impresso. "Restou a democracia pela legitimação do procedimento, que foi a Câmara Federal levar a pleno [ao plenário da Casa] a questão do voto impresso e, lá, por maioria, venceram aqueles que pensavam que não se teria que mudar o voto impresso", avaliou. Prisões de bolsonaristas.
Aras foi perguntado pelo senador Lasier Martins (Podemos-RS) sobre a postura da PGR durante as prisões do deputado afastado Daniel Silveira (PSL-RJ), do jornalista Oswaldo Eustáquio e, mais recentemente, do ex-deputado Roberto Jefferson. O PGR afirmou que a instituição se manifestou inicialmente contra as prisões por buscar garantir a liberdade de expressão, mas que mudou de postura diante de "ameaças reais" identificadas nas falas dos investigados.
"No momento posterior da prisão, tanto do Daniel Silveira, quanto do Roberto Jefferson, houve ameaças reais aos Ministros do Supremo", avaliou Aras. "A liberdade de expressão não estaria contemplada propriamente na fakenews, mas a ameaça direta e frontal já não poderia ser ignorada", ponderou.
Máscaras na pandemia
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) perguntou a Aras por que a PGR não enquadrou Bolsonaro criminalmente por todas as vezes em que saiu em público e provocou aglomerações sem usar máscara de proteção contra a Covid. Aras afirmou que a conduta do presidente "é um ilícito", mas deve ser punido no âmbito administrativo, com multas.
"A não utilização das máscaras é um ilícito. Nós sabemos que é um ilícito. É um ilícito. Todavia, é um ilícito de que natureza? Cível, administrativo, penal? Bem analisadas as coisas, trata-se de um ilícito administrativo, e a ação nesse campo é a multa", defendeu.
Para ele, o Direito Penal deve ser usado como último recurso, quando não houver outras alternativas. "O uso da máscara é realmente obrigatório, como defendi no Supremo, e o nosso parecer foi acolhido. Mas é preciso ter alguma cautela na criminalização", afirmou.
Contarato rebateu o argumento, e afirmou que a infração de Bolsonaro não pode ser tratada da mesma forma que a de um cidadão comum. Em resposta, Aras afirmou que é "algo perigoso" a criminalização do assunto. "Não tenho dúvida da ilicitude, não tenho dúvida de que há uma multa. Mas também não tenho dúvida que no sistema em que vige o princípio do Direito Penal negocial e despenalizador, falar-se em pena de natureza criminal, que é diferente de outras sanções, pode ser algo extremamente perigoso", declarou.