Pela primeira vez na história, a classe média brasileira chega a uma eleição como maioria no país. São 31,2 milhões de brasileiros que escalaram a pirâmide social desde 2002, engrossando as fileiras da chamada classe C.
Miolo da sociedade, a classe média representa hoje 53,6% da população brasileira, ou 103 milhões de pessoas. São famílias que recebem de R$ 1.115 a R$ 4.807 por mês, segundo cálculos do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Se toda a classe C pudesse votar, e o fizesse em apenas um candidato a presidente, decidiria sozinha a eleição. A hipótese é improvável, mas poucos duvidam do papel de fiel da balança que essa fatia da população terá em outubro.
De olho nos votos dessa nova classe média, PT e PSDB _partidos que governaram o país nos últimos 16 anos_ já disputam a paternidade das mudanças. Qual será, contudo, o impacto nas urnas dessa transformação?
A pergunta divide especialistas consultados pelo G1. Como a classe C se encorpou durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, há quem aposte em um ?voto de gratidão? à pré-candidata petista, a ex-ministra Dilma Rousseff.
?Essa nova classe média é eleitora do Lula, porque se beneficiou de três elementos-chave: aumento real do salário mínimo e da massa salarial e expansão do emprego com carteira?, diz o cientista político Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).
Outros analistas descartam que a classe média tenha fidelidade partidária. Relacionam o avanço social à manutenção, por Lula, da base do modelo econômico do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) _câmbio flutuante, metas de inflação e superávit fiscal (economia de recursos para pagar a dívida pública). Um trunfo em potencial para o pré-candidato tucano, ex-ministro de FHC e ex-governador de SP, José Serra.
?Não se sabe se essa nova classe média vai manter a lealdade em relação a Lula e ao PT de seus estratos de origem?, afirma o sociólogo Antonio Lavareda, que trabalhou nas campanhas presidenciais de FHC e com candidatos do PSDB e do DEM.
O voto das classes
Autor do livro "Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais", Lavareda analisou o voto por estrato de renda nas últimas cinco eleições presidenciais. Só encontrou um ?voto de classe? em 1989, quando Fernando Collor perdeu na faixa superior a cinco salários mínimos, e em 2006, quando Lula perdeu entre quem ganhava mais de dez salários mínimos. Todas as classes sociais votaram de forma semelhante em 1994, 1998 e 2002.
Embora avalie como incerto o comportamento eleitoral da classe média, Lavareda diz acreditar que a divisão do voto por classes sociais tenha voltado em 2006 para ficar. ?Vamos ter um voto sociologicamente diferenciado: votação expressiva do PT em camadas mais baixas e predomínio da oposição na parte superior da pirâmide social.?
Famílias" divididas" pela política
Na casa da família Alves Costa, de Santo André (Grande São Paulo), exemplo da maior fatia da sociedade brasileira, cada integrante prefere um pré-candidato. A mãe, simpatizante do PT, a filha mais nova, que prefere o PSDB, e a mais velha, que tem afinidades com o PV, concordam em uma só coisa sobre a disputa: a classe C vai votar de forma mais consciente em 2010.
Para a estudante Graziele Alves Costa, 29 anos, a emoção prevaleceu nas duas últimas eleições presidenciais, e os eleitores vão considerar mais as propostas neste ano.
"O Lula foi eleito por ser mais popular, não pela experiência. O povo ficou emocionado de ver um metalúrgico virando presidente. Agora vai ser diferente?, diz Graziele, que declarou voto em Marina Silva (PV). "Ela veio de uma classe social paupérrima e vai ter preocupação com os mais pobres. Também se preocupa com a Amazônia", destacou.
A caçula da família, Jaqueline, 23 anos, analista de tecnologia da informação, considera que é justamente a ascensão social que proporcionará à classe C mais instrumentos para definir seu voto. "A classe média, porque melhorou de vida nos últimos anos, vai pensar melhor para votar. [...] Há uma série de recursos, sites para buscar informações. Eu mesma já li sobre cada um deles [pré-candidatos à Presidência]", afirma.
Para Jaqueline, José Serra (PSDB) é o pré-candidato "mais preparado". "Gostei da gestão dele como ministro da Saúde, como governador, prefeito. É a proposta mais interessante para o país."
Convivência democrática
A matriarca da família, a cozinheira Sônia Alves da Costa, 53 anos, diz que a política é tema de ?discussões pacíficas? na casa. Atribui as melhorias recentes na vida da família ao governo Lula. "Está tudo ótimo no governo, a classe baixa conseguiu muita coisa", afirmou ela. A renda mensal da família é de cerca de R$ 3.500 - dobrou nos últimos dois anos.
Apesar de se declarar petista e "apaixonada" por Lula, Sônia disse que não pretende votar em Dilma Rousseff. "Sou petista desde os 18 anos, de uma geração que lutou para o fim da ditadura. Mas acho que vou votar nulo. Dificilmente a Dilma vai ganhar. O Lula deveria ter indicado outra pessoa. Ou deixa o Lula lá que é melhor."
Filho tucano e mãe petista
Na casa da família Silva, outra integrante da nova classe média em Santo André (SP), a divisão de opinião é pelo partido preferido, e não pelos pré-candidatos.
O analista de suporte e estudante de publicidade Lucas Wesley da Silva, de 22 anos, disse que votará no PSDB "mesmo sem saber quem é o candidato". "É raro falar de política no trabalho, não costumo ver notícias porque não dá tempo, mas acho que o PSDB é o mais responsável, mais preparado, pelo que a gente vê na televisão, pelas eleições anteriores."
Informado que o pré-candidato do PSDB é o ex-governador José Serra, ele disse conhecê-lo, embora não se lembrasse de realizações do tucano nos cargos que ocupou. Afirmou que pretende assistir "um ou dois" programas da propaganda eleitoral, mas disse que "dificilmente" deixará de votar no PSDB.
Lucas mora com a mãe, Sônia Maria Silva, de 49 anos. Sônia é metalúrgica e trabalha como cabeleireira em seu tempo livre. A renda da família é de cerca de R$ 1.800 - quase triplicou após Lucas conseguir um emprego, há um ano e meio. A família é uma das que conseguiram saltar da classe D para a C nos últimos anos.
Sônia Silva disse que deve votar na ex-ministra Dilma Rousseff. "Eu sempre votei no PT porque o PT é povão. Eu acredito que vai continuar tudo bem se o PT continuar", disse. Afirmou, no entanto, que só votará em Dilma por Lula. "Só voto nela por ele. Dela eu só sei que teve problema de câncer e mais nada."
Mãe e filho concordam sobre qual deve ser a bandeira do candidato que quiser chegar ao Palácio do Planalto neste ano: moradia. A família, que mora de aluguel, disse que há dois anos procura uma casa para comprar, sem encontrar nada "de qualidade" dentro do orçamento.
Classe média na campanha
As mudanças na composição das classes sociais estão na mira dos pré-candidatos. O primeiro movimento partiu do PT. Em programa partidário em cadeia nacional no último dia 13, com Dilma como protagonista, apresentou o governo Lula como responsável pela mobilidade social recente no país.
"Ascensão social dos brasileiros: com FHC e Serra, insignificante. Com Lula e Dilma, 31 milhões entraram na classe média e 24 milhões saíram da pobreza absoluta", afirmava o locutor do programa. O PSDB diz que houve propaganda eleitoral antecipada e pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) punição ao PT, Lula e Dilma.
Para o economista Marcelo Neri, da FGV, que estuda a mobilidade de classes no país, houve mais ascensão social no governo Lula, mas o resultado da gestão anterior não é insignificante. Segundo ele, 9,1% da população ascendeu socialmente de 1993 a 2002, índice que ficou em 14,6% de 2003 a 2008.
Números à parte, vencerá a eleição quem melhor captar os anseios desse setor em crescimento, afirma o publicitário André Torretta, autor de ?Mergulho na Base da Pirâmide? e dono de uma consultora especializada em marketing e negócios para a nova classe média. ?Essa transformação social muda a agenda da eleição. O grande tema das últimas campanhas sempre foi o emprego. Pela primeira vez não será.?