Uol denuncia que desembargador atuou em julgamento sobre lei pró-garimpo em MT

Perri é sócio majoritário de uma mineradora e mantém negócios com um garimpeiro que é investigado pela Polícia Federal

Uol denuncia desembargador de julgamento de lei pró-garimpo no MT | Fernando Martinho/Repórter Brasil
Siga-nos no Seguir MeioNews no Google News

Orlando de Almeida Perri, desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), atuou em um julgamento decisivo para o setor mineral do MT. Perri é sócio majoritário de uma mineradora e mantém negócios com um garimpeiro que é investigado pela Polícia Federal por uso de mercúrio ilegal para extração de ouro.

"Precisamos acabar com essa 'esquizofrenia' [de] que a mineração acaba com o meio ambiente", disse em uma sessão em fevereiro de 2022. No julgamento em si, o tribunal votava sobre a suspensão provisória de uma lei do estado que liberava a extração de minérios em "reservas legais" (áreas de propriedade privadas com vegetação nativa preservada), desde que o impacto ambiental fosse recompensado por meio de outros terrenos.

Ele é alvo de uma investigação preliminar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acerca de uma possível violação de deveres. Perri também é sócio da empresa MVP Participações, o negócio conta com dois pedidos de pesquisa de ouro aprovados pela Agência Nacional de Mineração (ANM) além de sociedade com outras quatro mineradoras.

O desembargador tem 85% do capital social da MVP, e sua esposa 12,5%, o restante fica com o  sobrinho, Willian Marcel Grunemberg, responsável pela administração da companhia, além de ter um cargo comissionado na Casa Civil do governo de Mato Grosso. William também já foi assessor no gabinete do governador Mauro Mendes. 

À reportagem, ele disse que "não há conflito de interesse" entre sua função pública e sua participação na MVP, "pois a referida empresa não tem nenhuma atividade de mineração em andamento e a inclusão como sócio-administrador foi um equívoco já regularizado".

É permitido segundo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), que juízes sejam sócios ou quotistas de empresas. Porém o Código de Ética da Magistratura, do CNJ, diz que "o magistrado não deve exercer atividade empresarial, exceto na condição de acionista ou cotista e desde que não exerça o controle ou gerência", segundo o artigo 38.

O desembargador foi procurado pela equipe de reportagem da Repórter Brasil, e disse que desconhecia a medida do CNJ que proíbe magistrados de ter participação majoritária em empresas. Perri destaca que  sempre agiu "de boa-fé" e nunca sofreu nenhuma advertência em quase 40 anos de magistratura.

Negócios com investigados

A empresa obteve de um contrato de "cessão parcial"  autorizações para pesquisa de minério de ouro aprovada pela ANM. A área da mineradora foi negociada  com Valdinei Mauro de Souza, conhecido como Nei Garimpeiro. Ele é acusado de lucrar cerca de R$ 33 milhões com ouro produzido usando mercúrio ilegal. A denúncia veio à tona em investigações da Operação Hermes, e corre sob sigilo de justiça.

Nei foi multado pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) por danos ambientais em Poconé ( área da mineradora )e no Pará. Uma das empresas de Nei, a Fomentas, foi alvo do Ministério Público do Trabalho (MPT) por coagir funcionários a votarem no ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na eleição de 2022. Nei fez uma doação de R$ 100 mil para a campanha de Bolsonaro.

Em nota enviada Repórter Brasil, o advogado do garimpeiro disse que os contratos de cessão "observaram rigorosamente as respectivas normas legais e jurídicas, inclusive perante a Agência Nacional de Mineração e Receita Federal".

Acerca da investigação, a defesa afirmou que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região concedeu habeas corpus e que a ordem de busca e apreensão decretada na Operação Hermes, foi derrubada "tendo em vista a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitiva, em relação ao empresário Valdinei Mauro de Souza e seus familiares".

Autorizações da Agência Nacional de Mineração

As autorizações foram concedidas e assinadas por Levi Salies Filho, ex-funcionário do TJ-MT nomeado pelo desembargador para a direção da escola de servidores do tribunal, entre 2013 e 2015,  período que o desembargador presidiu o tribunal.

Salies tomou a frente do escritório regional da ANM em Mato Grosso após o desembargador criar a empresa de mineração, em 2021. A MVP tem data de abertura em 28 de setembro daquele ano. Já a nomeação Salies foi em 23 de novembro.

Em entrevista à Repórter Brasil, Salies Filho negou que houve favorecimento por parte do desembargador "Existe um corpo técnico que analisa tanto a outorga quanto a fiscalização [dos pedidos de pesquisa mineral]. Ainda que eu me divirta, eu sou obrigado a acatar a decisão técnica", afirma.

Ele acrescenta que além de contador é bacharel em direito e teve como experiência na parte de gestão assumir a presidência da Agência de Fomento do estado de Mato Grosso (Desenvolve MT). O gerente completa:  "Quero crer que o convite para a ANM foi pelo meu perfil técnico", completa.

Carregue mais
Veja Também
Tópicos
SEÇÕES