Na Ilha do Marajó, considerada a maior ilha fluviomarítima do mundo, é comum ouvir a expressão "de um búfalo se aproveita tudo". O morador do município de Soure, Antenor Júnior, sabe disso e há quatro gerações trabalha especificamente com uma parte do animal: o couro.
O artesão de 38 anos é dono de uma loja de curtume na região. A ideia trabalhar com o couro de búfalo iniciou com o bisavô, produtor de selas para montaria a cavalo e em búfalos.
“O turismo na região fez com que o negócio se expandisse. Hoje em dia o que sai mais são os itens voltados ao turismo, cerca de 80%. O restante, 20%, é a parte da selaria”, explica.
Os búfalos da Ilha do Marajó fazem parte do enredo da escola Paraíso do Tuiuti, que desfila na segunda-feira (20) no Rio de Janeiro.
Na loja, chamada de “Curtume Art Couro Marajó”, há vários produtos feitos do couro cru de búfalo, como cintos, bolsas, sandálias, chaveiros, ímã de geladeira, porta-cartão, porta-documento e moedeiras. Os itens mais vendidos são cintos, sandálias e bolsas.
“Uma das bolsas tem uma particularidade. Utilizamos o saco escrotal do búfalo para fazer o produto. Meu pai teve ideia já que o saco escrotal do animal tem um formato propício para isso. Então, só fizemos colocar o zíper, a alça ou o botão de pressão, pronto”, afirma.
Na prateleira há também um item um pouco incomum: uma cueca confeccionada com couro de búfalo.
Segundo Antenor Júnior, o produto é chamado de “Cuecão de Couro” e foi confeccionado pela mãe dele. A peça não está à venda, porém, pode ser produzida caso haja encomenda.
Produto único
Antenor firma que o couro do búfalo tem diferença em reação ao do boi. O couro do boi seria mais fino, com espessura entre 1 a 2 milímetros. Já no búfalo, em animais pesando 900 quilos, com idade entre 25 a 30 anos, a espessura pode atingir até 1 centímetro.
“Para ter condições de preparar produtos como sandálias, cintos, nós trabalhamos com o couro do búfalo de pequeno porte, pesando entre 300 e 400 quilos”, diz o artesão.
Na opinião do artesão, o búfalo é uma das matrizes produtivas do Marajó. “O búfalo serve para o corte da carne, para a produção de queijo e o beneficiamento do couro. Além do chifre e do osso de búfalo que são feitas as biojoias, como anéis, brincos, colares”, afirma.
Processo
Por ser uma produção artesanal, as peças demoram em torno de três meses para ficarem prontas. São dois meses e meio para tratar o couro e, de duas a três semanas, para finalizar a produção.
Tudo começa com o processo de desidratação, onde o couro fica armazenado em um recipiente com sal, a salgadeira. “A partir do momento em que o animal é morto, temos 24 horas para colocar o sal, senão o couro apodrece”, afirma Antenor.
Depois é retirado o excesso de sal e colocado em um recipiente com cal, para enfraquecer o pelo e a carne. Após ficar enfraquecido, já é possível retirar o pelo e a carne, até ficar somente o couro. Ao deixar secar, o couro se transforma em couro cru.
Na sequência, o couro segue para a parte de pigmentação, que dura em torno de 45 dias. Finalizada essa etapa, o couro passa para o processo de "amaciamento". Depois disso, é entregue para o artesão confeccionar um produto, que dependendo do modelo e quantidade demora de duas a três semanas.
“Nosso trabalho é manual, diferente do industrial que usa maquinário e química para acelerar o processo. Porém, alguns curtumes que usam produtos químicos não têm cuidado com a descontaminação, podendo poluir o meio ambiente. Já o nosso processo é tudo natural”, garante o artesão.