Liana Paiva
repórter
Imagine um time que está batendo um bolão há bastante tempo. Durante três temporadas seguidas, por exemplo, manteve-se invicto e líder nas competições que disputou. Por conta desse bom desempenho, ganhou apelido carinhoso e de destaque estadual. Na verdade, tornou-se uma referência regional e porque não dizer, nacional, tendo em vista que sempre aparecia entre os cinco melhores do país. Agora, pense perder todo esse status de uma hora para outra. E pior, para o seu arquirrival.
A analogia feita com o futebol representa bem a disputa envolvendo dois municípios piauienses na produção de mel.
Dados da Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o Piauí gerou 5,6 mil toneladas do produto em 2020, sendo que quase 10% desse total foram produzidos apenas em São Raimundo Nonato. Com uma produção de 533 toneladas, a cidade tornou-se o maior produtor da iguaria no Estado, deixando para trás Picos que, até então, reinava tranquilamente com o título de capital do mel.
A liderança da produção de mel era do município de Picos desde 2017, mas os números do novo levantamento revelam, ainda, que os apicultores picoenses obtiveram 406 toneladas de mel no ano passado, ou seja, cerca de 23,7% menos que São Raimundo Nonato. Vários fatores levaram a troca de posições, dentre eles, um maior incentivo dado aos apicultores são-raimundenses para aumentar a produção, melhora o preço pago e crescimento da demanda.
“Houve, inclusive, instalação de postos de compra para remessa a indústrias em outros estados, além do município de São Raimundo Nonato contar com boa infraestrutura e organização neste setor, através das associações de apicultores”, analisou Pedro Andrade, supervisor de Pesquisas Agropecuárias do IBGE no Piauí, acrescentando, também, que a florada registrada na cidade foi bem melhor que a de Picos. “Mesmo os dois municípios estarem no semiárido, nem sempre o clima é igual”, comparou.
A questão do tempo foi detalhada pelo climatologista Werton Bastos e, segundo ele, a economia melífera é muito sensível as variações climáticas, térmicas e, principalmente, pluviométricas. Elevação ou redução bruscas de temperatura, chuvas excedentes ou estiagem severa são prejudiciais as floradas. “Estamos falando de extremos que, de modo geral, podem interferir no metabolismo das plantas, diminuindo a florada e, assim, a produção do néctar. E Picos viveu, ano passado, um calor bem intenso”, pontuou.
Entretanto, o mel produzido no Piauí, em 2020, foi avaliado em cerca de R$ 46 milhões. Desse valor, o município de São Raimundo Nonato registrou uma receita de R$ 4 milhões e o município de Picos pouco mais de R$ 3,4 milhões.
Juntas, as duas cidades piauienses foram responsáveis por 16,5% do volume e por 15,9% do montante total gerado pelo mel no Estado que, atualmente, é o maior produtor do Nordeste e terceiro do país, ficando atrás somente de Paraná e Rio Grande do Sul.
Cerca de 15 mil famílias vivem exclusivamente da produção de mel e boa parte deles está situada no território da Serra da Capivara, com destaque para São Raimundo Nonato. Um deles é o apicultor Júlio Paes Castro, de 63 anos, que produz mel desde 1998, mas que na última década percebeu um grande crescimento do setor. Ele credita essa alta a capacitação fornecida por órgãos governamentais naquela região, principalmente, o Sebrae.
“Criar abelha é a melhor coisa do mundo, principalmente, aqui no Piauí, por termos um mel puro, sem agrotóxico e produzido com água limpa”, disse Júlio Paes, que é um dos maiores produtores de mel da região de São Raimundo Nonato, com cerca de 8 mil toneladas produzidas por ano. “Temos em torno de 400 colméias, das quais 250 em atividade, nesse momento, e trabalho em parceria com 80 outros produtores”, acrescentou o apicultor, lembrando, ainda, que está em processo de criação de uma cooperativa.
Capacitação profissional
Neuma Borges, representante do projeto Viva o Semiárido no território da Serra da Capivara, confirma o avanço nas assessorias nas comunidades da região, com a aquisição de equipamento, capacitações dos apicultores e ações de infraestrutura. “Mel é um segmento muito rentável e tem saída constante, então, é normal que muitas pessoas acabem aderindo a produção. Por isso, o Governo do Estado, por meio do Projeto Viva o Semiárido, promove capacitação para ampliação da produção”, disse.
Segundo Neuma, casa família, que gira em torno de 5 mil em 17 cidades que integram o território da Serra da Capivara, recebem equipamento e capacitação, entre elas, a de reflorestamento das árvores, onde ocorrem as floradas para produção de mel. “Isso amplia e melhora a produção e, também, mantém preservado o bioma daquela região”, pontuou a gestora, destacado que os apicultores são incentivados, constantemente, a procurar financiamento para ampliação da produção.
E todo esse investimento trouxe novamente à toa essa disputa saudável entre as cidades piauienses, que mais produzem mel. E claro, que a troca de posições entre Picos e São Raimundo Nonato mexeu com os produtores das duas regiões, fazendo com que a produção de mel esse ano aumentasse também. Não diferente, mesmo o ano ainda não terminado, o Piauí já é o maior exportador do produto no ano, conforme dados do Ministério da Economia.
Líder no ranking de exportação
Segundo o levantamento, entre janeiro e agosto de 2021, o Piauí realizou 29,1% das exportações de mel do país. Os estados concorrentes do Piauí no setor, Santa Catarina e Paraná, realizaram, respectivamente, 22,8% e 20,3% das exportações no mesmo período. Esta é a primeira vez que o Piauí lidera o ranking de exportação de mel em 5 anos.
No primeiro semestre de 2017, o Piauí movimentou US$15,4 milhões em exportações de mel, enquanto Santa Catarina movimentou US$ 11,3 milhões.
E um dos responsáveis por esse crescimento é a Casa Apis, maior central de apicultores do Estado, com sede em Pìcos e que integra três cooperativas, sendo duas delas na Cidade Modelo e outra na região de São Raimundo Nonato. De acordo com Leopoldo Dantas, o popular Sitonho, diretor geral da Casa Apis, a expectativa é que a produção desse ano cresça acima de 2020, o que acirra a disputa entre as duas cidades e pode ocasionar uma nova troca na liderança.
“A Casa Apis é responsável, nesse momento, por quase 20% de todo o mel produzido no Piauí e até setembro já produzimos e vendemos mais de 1,1 mil toneladas do produto, com maior destaque para as cooperativas que ficam em Picos”, ressaltou, acrescentando que mais de 800 toneladas foram produzidas por apicultores da região de Picos.
Ocupando a 6ª e a 10ª posição, respectivamente, os municípios de São Raimundo Nonato e de Picos estão entre os dez maiores produtores de mel do país. Apenas os estados do Paraná e do Rio Grande do Sul superam o Piauí em volume de mel. A produção paranaense foi de 7,8 mil toneladas e a gaúcha de 7,4 mil toneladas em 2020. O Brasil gerou 51 mil toneladas de mel no ano passado: Paraná produziu 15,2%, o Rio Grande do Sul, 14,5% e o Piauí, 11%.