Uma pesquisa conduzida pela University Of Nebraska Medical Center (UNMC) e pela Escola de Medicina da Temple University conseguiram eliminar o HIV do organismo de animais a partir de uma combinação de terapias antirretrovirais de ação prolongada e de uma nova técnica de edição genética. O tratamento antirretroviral forneceu uma supressão duradoura do vírus, a técnica de edição de genes teve como objetivo agir tanto sobre o HIV quanto sobre um receptor, chamado CCR5, que ajuda o vírus a entrar nas células.
“A excisão do DNA do HIV-1 e a inativação do CCR5 foram reunidas usando tecnologias de edição de genes baseadas em observações de curas relatadas em pacientes humanos com HIV”, disse Kamel Khalili, professor da Lewis Katz School of Medicine, em comunicado. “Nos poucos casos de cura do HIV em humanos, os pacientes foram submetidos a transplante de medula óssea para leucemia, e as células doadoras usadas carregavam mutações inativadoras do CCR5”, completa.
Atualmente, o tratamento do HIV é realizado a partir do uso de medicamentos antirretrovirais, que impedem o processo de replicação viral no organismo humano. Ao bloquear a produção de novas cópias do vírus, os medicamentos agem na redução da carga viral no sangue. A terapia atua no controle da infecção, mas não é capaz de eliminar o vírus do organismo. O vírus permanece em reservatórios de células imunológicas, o que representa um dos maiores desafios para a cura atualmente. Se o tratamento for interrompido, ele volta a se multiplicar no corpo.
“Com a terapia antirretroviral, o vírus para de se replicar, mas fica guardado em algumas células, nos chamados reservatórios. Então, o objetivo dessas estratégias de cura é tentar erradicar o vírus desses locais”, explica o médico infectologista Álvaro Furtado, do Hospital das Clínicas de São Paulo, que não esteve envolvido no estudo. Um dos alvos da busca pela cura do HIV pelos cientistas é um receptor chamado CCR5, associado à entrada do vírus nas células humanas.
“Nos últimos anos, pelo que foi publicado na literatura, as estratégias de cura caminharam basicamente pelos transplantes de medula óssea, em que há um doador que tem uma mutação para esse receptor, que o vírus usa para entrar na célula, o CCR5. A pessoa ganha uma medula nova, o vírus não consegue entrar nas células e acaba sendo eliminado totalmente do organismo dos reservatórios imunológicos”, explica Furtado. Outra linha de pesquisa consiste na edição genética, chamada CRISPR, também com o objetivo de alterar a capacidade do HIV de invadir as células humanas. O método foi utilizado pelos pesquisadores no novo estudo.
Em pesquisas anteriores, os cientistas norte-americanos observaram que o HIV pode ser editado a partir dos genomas de camundongos, levando à cura em alguns animais. Para evitar o retorno da infecção, a equipe desenvolveu um novo sistema duplo destinado a eliminar permanentemente o HIV do modelo animal. “Os pesquisadores fizeram uma edição genética dupla com essa técnica de CRISPR. Eles modificaram as células do sistema imunológico dos camundongos, fazendo uma modificação genética nesse receptor CCR5”, explica Furtado.
“Através dessa edição, eles impediram a expressão desse receptor, ou seja, o vírus não conseguia mais entrar na célula. O segundo mecanismo foi a edição gênica desse DNA que fica guardado dentro das células, dos reservatórios, também impedindo a expressão desse material genético que fica guardado dentro das células, que é o reservatório”, detalha o especialista. A nova estratégia dupla de edição de genes CRISPR representa um avanço na busca por novos métodos de tratamento do HIV em humanos.
“É uma abordagem simples e relativamente barata”, observou o Khalili. “O tipo de transplante de medula óssea que trouxe curas em humanos é reservado para pacientes que também têm leucemia. Requer várias rodadas de radioterapia e não é aplicável em regiões com recursos limitados, onde a infecção pelo HIV tende a ser mais comum”, pontua. “Os pesquisadores conseguiram observar que quase 60% dos camundongos não tinham mais o vírus. Isso abre caminhos para estratégias de cura de um mecanismo de edição gênica dupla, através dessa técnica de CRISPR, tanto nas células do sistema imunológico da pessoa quanto também no material genético do vírus que fica guardado dentro das células nos reservatórios imunológicos”, acrescenta Furtado.
A equipe estuda testar, em breve, a estratégia de edição genética dupla em primatas não humanos. “Nós mesclamos sucessos em medicamentos antirretrovirais e terapias genéticas criadas na University of Nebraska Medical Center e na Temple University, respectivamente”, disse Howard Gendelman, diretor do Departamento de Farmacologia e Neurociência Experimental da UNMC.