Uma questão que estará presente de modo prioritário na Cúpula dos BRICS, que começa nesta terça-feira em Joanesburgo, na África do Sul, será sem dúvida alguma a instituição de uma moeda comercial comum, que possa servir aos interesses de Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul, países que originalmente integram o grupo, e representam diferentes regiões do planeta. O Brasil, por iniciativa do Presidente Lula, formalizará a proposta para análise dos outros países do grupo.
Sabe-se que a crescente disfuncionalidade, a ausência progressiva de função, a falta de objetivação favorável à imensa maioria das nações do mundo, faz o Dólar, como moeda reguladora das relações comerciais entre todos os países, sofrer uma forte oposição e a clamar-se por um substitutivo que seja capaz de atender aos interesses nacionais de modo adequando a uma nova realidade planetária que está posta.
MOEDA REGULADORA MUNDIAL
A ideia do dólar como moeda reguladora mundial nasceu por inspiração dos Estados Unidos, no fim da Segunda Guerra, e daí passou a fortalecer-se internacionalmente, no vácuo de uma profunda crise econômica e um vazio de governabilidade, à época, trazidos pela própria guerra, sobretudo na Europa. Foi ganhando terreno, passando a ser moeda de troca, moeda de denominação de contratos e preços, reserva de valor e meio de pagamento.
Desse modo, os Estados Unidos colocaram o mundo a seus pés, fazendo todos os países renderem-se à administração de uma moeda “nacional”, de acordo exclusivamente com os interesses do Estado que a instituiu. O único revés que os Estados Unidos e seu poderoso dólar sofreriam nesse seu exclusivo terreno, decorreu da instituição do Euro e da formação da União Europeia, uma comunidade originalmente implantada por 12 nações, em janeiro de 2002, 57 anos ao fim da Segunda Guerra. A nocividade do dólar como moeda mundial já vinha sendo enxergada muito antes pelos europeus. Na década de 1960, Charles de Gaulle e seu ministro de Finanças, Valéry Giscard d’Estaing, denunciavam o “privilégio exorbitante” do dólar e propunham, com grande repercussão, mas sem sucesso, a volta a um sistema baseado no ouro.
Os Estados Unidos sempre reagiram com notável energia às tentativas de diminuição do dólar como controlador mundial, usando seu poder para influenciar decisões de fundos internacionais, como FMI. Além disso, os EUA, como demonstram atitudes recentes, vêm se valendo da sua moeda, de forma cada vez mais agressiva, para buscar objetivos políticos e geopolíticos. Isso se verifica com a militarização do dólar, isto é, o uso da moeda nacional/internacional e do sistema financeiro ocidental para atingir países hostis ou vistos como tal. Os vetos e bloqueios contra quem os desagrade, são práticas comuns aos EUA.
NOVA MOEDA
Livrar-se desse domínio não é fácil. Daí, 78 depois do fim da guerra e da imposição do dólar como moeda reguladora mundial, o resto do planeta, com algumas resistências nacionais, como China, por exemplo, não ter encontrado saída, ficando mesmo nas mãos dos interesses norte-americanos. Hoje, é verdade, essa nociva contradição está bem aos olhos dos dirigentes nacionais de diferentes regiões, que sentem a necessidade urgente de instituir uma moeda comum que facilite as trocas comerciais entre empresas de diferentes países, melhorando o desempenho econômico e possibilitando uma melhor escolha e mais amplas oportunidades aos consumidores de cada nação.
A proposta de uma moeda comum nos BRICS, lançada inicialmente pelo presidente russo Vladimir Putin, ainda em inícios de 2022, vem tendo sua visibilidade ampliada e seus contornos discutidos, podendo ter avanços significativos nesta semana, durante os debates que se travarão, a partir de amanhã, na Cúpula da África do Sul. O Presidente Lula, do Brasil, que tem assumido um papel de liderança no grupo, tem sido um defensor entusiasmado da moeda comum. Imagina-se que outros líderes abracem a ideia, o que tornaria possível sua adoção mais rapidamente.
Tem-se como certo que a criação da moeda comum aos países dos BRICS, especialmente no tocante à necessidade de instituição de fundo de reserva, não será de fácil construção. O que se sabe, por enquanto é que essa discussão complexa avançará nessa Cúpula de Joanesburgo, atribuindo-se, a partir dela, aos ministros de finanças de cada país-membro, o aprofundamento de estudos, cujos resultados possam ser objeto de trabalho mais aprofundado na Cúpula de 2024, a ser realizada na Rússia.
O que é certo, finalmente, é que os países não suportam continuar sagrando aos pés dos EUA e do seu poderoso dólar.