A ministra Rosa Weber despediu-se nesta quarta-feira da presidência do Supremo Tribunal Federal e marcou, em definitivo, seu afastamento do STF, obrigada pela compulsória que a atinge em 1º de outubro, quando completa 75 anos de idade. E deixou, igualmente, marcos expressivos de sua passagem, trazendo ao seu colo assuntos significativos que dormiam soberanamente nas gavetas de outros ministros, incapazes de trazê-los à tona. Foi assim no caso recente da descriminalização do aborto, que ela desenterrou e trouxe para votação dos seus pares.
Sua despedida ocorre num momento marcante da vida brasileira, quando a Suprema Corte obrigou-se a assumir o protagonismo de relevantes temas da vida nacional, puxando para si o poder de decidir, em virtude da inação clamorosa do poder legislativo, que tem se tornado useiro e vezeiro na insana arte de omitir-se, ou de fazer o contrário daquilo que deseja e espera o interesse coletivo.
Tanto é assim, que no exato dia de sua despedida, o STF- que acabara de sepultar (por 9X2) a terrível e vergonhosa proposta do Marco Temporal-, trouxe para si a responsabilidade de dar consequência a esse julgamento, colocando em debate a decisão sobre se haverá ou não indenizações àqueles que, recebendo títulos de posse do governo, ocupavam as terras pertencentes aos povos indígenas, e quais critérios a serem considerados em futuras demarcações de terras.
ATAQUES GOLPISTAS
Nunca será excesso lembrar o papel determinante de liderança que Rosa Weber, como presidente do STF, exerceu, dentro do STF, por ocasião dos ataques golpistas de 8 de janeiro, exibindo à Nação um comportamento pessoal, funcional e social “com aura de grandeza, de dignidade e respeitabilidade”, conforme bem definiu o ministro aposentado Celso de Mello, um dos mais eruditos e respeitáveis integrantes da corte, que dividiu com ela mais de uma década de atuação. Para ele, Rosa Weber foi fator de equilíbrio, de confiança, firmeza, e de segurança no acolhimento incondicional à Constituição, na preservação da estabilidade do regime democrático.
Rosa Weber mostrou-se sempre avessa aos holofotes, fugindo das luzes que muitas vezes encantam alguns colegas seus, ficando distante de articulações políticas menores. Nem sempre, porém, parece ter-se guiado por princípios sagrados de justiça, adotando posições polêmicas que a acompanharão para sempre, como o seu voto de minerva que autorizou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, numa condenação rasteira de primeira instância, ficou 580 dias encarcerado em Curitiba.
No final das contas, Rosa Weber leva para sua aposentadoria uma recordação que provavelmente nunca havia passado por sua cabeça: a do STF vandalizado pelos radicais bolsonaristas e extremistas de direita, que depredaram as sedes do poder, e adotaram as mesmas atitudes criminosas nas dependências da Câmara Federal, do Senado e do Palácio do Governo, sede do executivo. Leva consigo, contudo, o título honroso de guardiã da Democracia.
POR OMISSÃO DO CONGRESSO, STF ASSUME PAPEL REVELANTE NO PAÍS
Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal decidiu, pela contagem de 9X2 votos, tornar ilegítima e ilegal a proposta do malfadado Marco Temporal, que tinha o objetivo de tornar lei, via parlamento, que as terras pertencentes aos povos originários, ou seja, às populações indígenas, só a esses povos pertenceriam se estivessem por eles ocupadas em Outubro de 1988, por ocasião, portanto, da promulgação da nossa última Constituição Federal. O STF entendeu que isso não fazia o menor sentido e decidiu sepultar a proposta de uma vez por todas.
Ao longo da história recente do país, no vácuo provocado pela omissão de legislar do Congresso brasileiro, o Supremo Tribunal Federal tomou para si decisões relevantes à nossa convivência democrática, colocando ordem e civilidade a questões de interesse público, a saber:
-Proibição do nepotismo nos três Poderes, impedindo a nomeação de parentes dos membros de todos os poderes para o exercício de cargos até o terceiro grau, para cargos em comissão e função gratifica;
-Constitucionalidade da lei que autorizou pesquisa com células-tronco embrionárias, pondo freio a uma visão secular e uma visão religiosa que se confrontavam e impediam o avanço das ciências;
-Incompatibilidade entre a Lei de Imprensa do regime militar e a nossa Constituição de 1988, pondo fim à censura prévia e regulando a liberdade de manifestação do pensamento e da informação;
-Equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis heteroafetivas, uma decisão que pôs fim à exclusão baseada na orientação sexual, incompatível com o direito à busca da felicidade, com o princípio da igualdade;
-Legitimidade das cotas raciais em favor dos negros em acesso às universidades públicas, reparando uma histórica e inconciliável injustiça, assegurando-lhes um mínimo de igualdade de oportunidade.