Uma operação da PF no Pará desarticulou, na semana passada, um esquema de extração de ouro ilegal do garimpo que rendeu pelo menos R$ 4 bilhões a criminosos desde 2020.
Segundo a investigação, a máfia incluía o uso de empresas, de pessoas e até de falecidos que vendiam o ouro a empresas exportadoras com informações falsas em notas fiscais, "esquentando" assim o ouro.
A coluna teve acesso aos despachos da operação, do juiz federal substituto da 4ª Vara Federal Criminal do Pará, Gilson Jader Gonçalves Vieira Filho, que investiga 44 pessoas físicas e jurídicas.
O esquema passava basicamente por três fases:
1. Retirada clandestina do ouro em áreas ilegais;
2. Confecção de documentos fiscais com informações falsas e venda a empresas exportadoras;
3. O ouro "quente" entrava na cadeia produtiva brasileira e era exportado quase sempre a uma empresa nos EUA, sendo comercializado depois na Itália, Suíça, China e nos Emirados Árabes Unidos, entre outros;
A PF define a ação do grupo como um "elaborado esquema internacional de esquentamento de ouro proveniente de garimpo ilegal, destinado à exportação".
O material era retirado da região de Itaituba (PA), região conhecida pelo garimpo e onde os criminosos chegaram a protestar contra a fiscalização ambiental em 2022.
Segundo a investigação, duas empresas eram as principais que compravam o ouro ilegal de terceiros e faziam a exportação do minério. Elas são apontadas como líderes do esquema. São elas:
Pena & Mello Comércio e Exportação
• Suspeita: Comprar ouro de outras pessoas jurídicas com notas fiscais com dados falsos
• Movimentação: Exportou 2.300 quilos de ouro em barra em um total de R$ 693,3 milhões entre janeiro de 2020 e março de 2021
• Sede: Itaituba (PA)
Amazônia Comércio Importação e Exportação
• Suspeita: Adquirir ouro de outras pessoas jurídicas, com notas fiscais com indícios de fraudes, e exportação para empresa offshore (fora do Brasil)
• Movimentação: Exportou 9.600 quilos de ouro entre outubro de 2016 a março de 2021, em um total de R$ 2,18 bilhões.
• Sede: São Paulo
Os donos das empresas tiveram ordem de prisão decretada (veja mais abaixo). A coluna tentou contato com as duas empresas por telefone ou por e-mail, mas não conseguir falar com nenhum representante.
A PF descobriu com as empresas uma lista de nomes de vendedores, "fato que, certamente, não corresponderia à realidade". Elas seriam o elo para o 'esquentamento' do ouro extraído de garimpos clandestinos.
A Receita Federal descobriu também, com a quebra do sigilo fiscal, que entre os vendedores de ouro existiam pessoas já falecidas.
Mapeamento por satélite
Um dos pontos que serviam para conferir ar de legalidade ao ouro era a indicação de retirada de áreas legalizadas para garimpo. Entretanto, notou-se que as informações prestadas não batiam com a realidade.
Para comprovar isso, a PF analisou imagens de satélite dos locais indicados nas PLGs (permissão de lavra garimpeira) indicadas nas notas fiscais de aquisição e venda de ouro.
A análise mostrou que várias das áreas indicadas não apresentavam sinal de exploração indicada na nota fiscal, ou seja, não era o local verdadeiro onde o ouro foi retirado.
O que se verifica é que são indicadas PLGs nas notas fiscais que não possuem o desflorestamento correspondente com a efetiva extração de minério de ouro no local, o que indica que o ouro objeto das referidas notas fiscais é esquentado com essa documentação.Despacho do juiz Gilson Jader Gonçalves Vieira Filho
Depoimento revelador
Após a retirada do ouro, o esquema chegava à segunda fase: pessoas e empresas que vendiam o ouro às empresas exportadoras prestando essas informações falsas. Para isso existia uma rede, que contava com outras empresas menores.
O depoimento de uma mulher ajudou a esclarecer o esquema. À PF, ela afirmou que teve seu CPF utilizado indevidamente como vendedora de ouro, no valor de R$ 205 mil, para uma pequena empresa paraense que fornecia às exportadoras.
Consta que na ocasião foi relatado pelo advogado da depoente que a empresa estaria tendo problemas com uso do nome de terceiros em suas operações e que esse fato já teria acontecido anPedidos de prisão
Diante dos indícios de um crime ainda em curso, a PF pediu a prisão dos donos das duas empresas exportadoras. A Justiça então decretou a prisão de três pessoas:
• Lillian Rodrigues Pena Fernandes e o marido dela, Diego de Mello, proprietários da Pena e Mello Comércio e Exportação já foram presos.
• Marina Alonso, sócia da Amazônia Comércio Importação e Exportação, estava foragida até a sexta-feira (17).
"Os sócios dessas empresas possuem alto poder aquisitivo e poder de articulação", relatou o juiz ao acolher o pedido.
O poder financeiro do grupo criminoso, aliado à complexidade da sua estrutura, com diversas pessoas jurídicas, são indícios concretos de que, em liberdade, os líderes da organização podem interferir nas investigações em curso, possuindo alta capacidade de articulação para destruir provas.