O Carnaval é uma época de folia e alegria. Mas muitas vezes tem quem passe do limite na hora da paquera em meio a diversão. Por vezes, a deselegância passa do ponto e vai para casos de importunação sexual ou mesmo abuso. Neste caso, é sempre importante alertar que ‘não é não’.
Imagine o seguinte contexto: um rapaz fica interessado por uma moça no bloquinho do bairro. Ele não para de olhar para ela, que não corresponde aos olhares e não demonstra nenhum interesse. Mesmo assim, ele insiste e vai até ela. No primeiro não, o rapaz deve se afastar.
Insistir na paquera, depois do primeiro não, já é considerado assédio. É o que explica Zenaide Lustosa, secretária das Mulheres do Piauí.
“É necessário que haja respeito, consenso e que os limites não sejam ultrapassados. Quando uma mulher diz ‘não’, é não. A partir do momento em que isso não é respeitado, é crime, e devemos denunciar e combater”, destaca.
Zenaide conta que essa mensagem está sendo levada para todo o Piauí. A ideia é levar liberdade e segurança para as foliãs, que merecem vivenciar as festas carnavalescas com um sorriso no rosto. “Por meio de parcerias com as prefeituras, queremos atingir os 224 municípios, para que tenhamos em todo o Piauí um Carnaval tranquilo, feliz e com festas lindas”, pontuou.
Através de campanhas, a população é conscientizada e orientada a denunciar crimes. “Importunação sexual, desde 2018, é crime. A pena é de 5 anos de cadeia. Passa pelo homem que quer beijar mulheres à força, abraçar, pegar nas partes íntimas”, explica Zenaide.
O que não pode na paquera
De forma bem didática, a psicóloga Kyslley Urtiga mostra o que pode e o que não pode na hora da paquera. "Há maneiras criativas, românticas, inteligentes e leves de mostrar interesse por alguém sem ter que apelar para as práticas que podem ser caracterizadas como crime", afirma.
Ela cita o sucesso ‘Zona de Perigo’, de Léo Santana, para exemplificar.
“Deslizar só se tiver autorização. Passar a mão em alguém sem consentimento é crime. Se esfregar numa pessoa no transporte público é crime. Beijar sem o consentimento também. Não é porque é Carnaval, que todo mundo está bêbado, que é permitido", considera.
A psicóloga lembra que importunação sexual pode dar até cinco anos de cadeia. "E não precisa haver, necessariamente, penetração, violência e ameaça. A diferença disso para o assédio é que no assédio existe uma relação de hierarquia. É importante falar sobre isso para que as vítimas, geralmente mulheres, estão sendo vítimas", acrescenta.
Beijo roubado? Nem pensar!
Karla Berger, secretária de Políticas Públicas para Mulheres de Teresina, conta que as denúncias mais comuns são voltadas para beijos sem consentimento. O popular beijo roubado. "Você chegar beijando o outro sem aval da pessoa, sem o sim expressivo, é uma importunação sexual. Passar a mão e apalpar, também", declara.
A secretária explica que as pessoas precisam entender que há formas corretas de paquerar uma pessoa. "Conversa ali no ouvido, faz contato visual. Ouviu um 'não', segue o bloco, não leve para o lado pessoal e não tente forçar nada com o outro", acrescenta.
O machismo, historicamente, torna as mulheres mais vulneráveis.
"Isso está historicamente relacionado ao machismo e às relações de poder, a sociedade colocou por muito tempo a mulher em um lugar de submissão e menor poder em relação aos homens. E nosso trabalho é quebrar esse ciclo vicioso que nos coloca na maioria das vezes nesse papel de vítima", revela.
Coletivo "Não é Não!" completa seis anos
Na luta contra o patriarcado e as consequências danosas que ele provoca, o coletivo "Não é Não!", que surgiu em 2017 por uma iniciativa de um grupo de amigas cariocas, confecciona tatuagens temporárias que buscam conscientizar os foliões dos carnavais de todo o Brasil.
No Piauí, o Não é Não! chegou em 2020, mobilizado pelas jornalistas Luana Sena e Camila Fortes. No primeiro ano de ação, o grupo formado por 20 mulheres voluntárias produziu mais de cinco mil tatuagens para distribuição gratuita nos blocos e festas de Teresina.
“Com a volta do carnaval de rua e das aglomerações, acionamos alguns blocos parceiros que vão estar engajados junto com a gente no combate ao assédio e na disseminação pelo fim de abusos à mulheres”, diz Luana Sena, embaixadora local.
Coletivo
Durante os dois anos de pandemia, com as festas e aglomerações suspensas, o coletivo não ficou parado. Sem a ação corpo-a-corpo, o grupo de mulheres empenhou-se em produzir conteúdos digitais, lançar o site oficial e focar em projetos e ações educativas, como palestras e lives.
Mais de 300 mil tatuagens foram distribuídas gratuitamente nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Amazonas, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Paraná, Pará, Pernambuco, Piauí, Paraíba, Bahia, Ceará e Distrito Federal.
Carnaval: liberdade para os corpos
A socióloga Fabíola Lemos explica que o carnaval é uma festa de muito apelo ao corpo e à liberdade. Em uma sociedade de cultura sexista, essa combinação resulta em uma maior objetificação do corpo feminino. "Um corpo que, por estar na rua em plena manifestação de prazer, está vulnerável a múltiplas formas de violência", considera.
Importunação
O beijo forçado, as apalpadas e outras formas de importunação passam a ser naturalizados e até justificados.
"Uma abordagem respeitosa vai desde um olhar de flerte até o famoso xaveco. Mas jamais um toque sem permissão. Na cultura machista, a mulher é associada ao corpo. O corpo que tenta e 'leva o homem ao erro'. Portanto, a culpa sempre é do corpo e, por isso mesmo, está sujeito à violência e ao desrespeito", acrescenta.
Campanhas, policiamento qualificado e canais de denúncia são importantes para cumprir uma função imediata e paliativa. "O mais importante mesmo são as políticas educacionais de médio e longo prazo. Enquanto as ações penais forem priorizadas em detrimento de uma revolução na educação, seja ela escolar ou doméstica, as festas ou os carnavais sempre serão espaços de insegurança para as mulheres", aponta Fabíola Lemos.