Novo Código Penal pode transformar Maria da Penha em lei morta

O novo código penal não limita o crime de violência doméstica como lesão corporal, com penas mais brandas.

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O crime de violência doméstica é punido com pena máxima de três anos de prisão. O que já é considerado muito pouco pelos movimentos sociais e instituições que trabalham com a defesa da mulher, pode reduzir ainda mais se depender da Comissão Especial de Juristas que elaborou as propostas de reforma do Código Penal.

Caso as mudanças sejam aprovadas, a pena para os agressores será de, no máximo, um ano, com a possibilidade de cumprir medidas alternativas. Assim, o novo Código Penal poderia transformar a Lei Maria da Penha em lei morta, ao desconsiderar o parágrafo nono, que prevê aumento da pena em caso de violência doméstica.

Segundo a defensora pública do Núcleo de Defesa da Mulher, Veronica Acioly, o novo código penal não incorpora os juizados especiais e considera o crime de violência doméstica como sendo de lesão corporal e, portanto, tem penas mais brandas. ?Considero um retrocesso o tratamento jurídico que está sendo dado à matéria. O novo código vai no sentido oposto à lei Maria da Penha, que trata com mais rigor os casos de violência contra a mulher?, afirma a defensora.

Além disso, temas importantes como o estupro coletivo, o estupro corretivo (com o intuito de ?curar? mulheres lésbicas) e o estupro mediante fraude (aquele realizado por meio de drogas, como no golpe boa noite Cinderela) sequer são mencionados. ?E se eles não são citados, deixam de ser crimes?, alerta Veronica Acioly.

Para a defensora pública, o único avanço em relação aos direitos da mulher é com relação à violência sexual presumida. A proposta é que seja considerado estupro as relações sexuais com menores de 14 anos, mesmo com o consentimento da adolescente. Atualmente, a idade é de 12 anos.

Teresina é a 9ª capital com maior número de homicídios de mulheres

Entre todos os males da violência doméstica, a reincidência é um dos maiores. Em vez de encorajar as vítimas a tomarem uma decisão, as agressões constantes as paralisam. O levantamento do Instituto Sangari mostra que 51,6% das mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde após sofrer violência doméstica já haviam passado pela mesma situação em outro momento.

E é através de vítimas que são tomadas pela apatia ou pela incapacidade de reação, que a violência doméstica se perpetua e mata. O Brasil ocupa o 7º lugar em homicídio de mulheres no ranking de 89 países. A maioria das vítimas tem entre 20 e 29 anos. Os últimos dados do Mapa da Violência mostram que 41 mulheres foram mortas por conta desse crime no Piauí. Teresina ocupa o 9º lugar entre as capitais com maior número de homicídios causados pela violência doméstica.

Para Maria Sueli Rodrigues, professora da UFPI e coordenadora de um grupo de pesquisa sobre a Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher é algo cultural e, por isso, não pode ser enfrentada apenas no âmbito do Direito. ?A própria Lei Maria da Penha não foi efetivada para além das instituições judiciais. Não há trabalho de prevenção, não há nada na área da educação?, ressalta Maria Sueli.

Segundo a professora, a falta de cultura de democracia nas relações de gênero pode ser uma das explicações para que a proposta do novo Código Penal apresente um retrocesso no que se refere às conquistas da Lei Maria da Penha. ?A sociedade forma milhares de novos agressores todos os dias?, conclui Maria Sueli.

Segundo um levantamento que traçou o perfil dos agressores e vítimas de violência doméstica em Teresina, realizado pela Corregedoria Geral de Justiça, mostrou que os bairros onde existem a maioria das ocorrências são Parque Brasil, Mafrense e Água Mineral.

Os agressores são principalmente trabalhadores da construção civil e 35,4% das vítimas são donas de casa. A violência moral é a mais comum, ocorrendo em 37,7% dos casos. A agressão psicológica ocorre em 32,72% e a violência física alcança percentual de 19,67%.

Maioria das vítimas sofre agressão dentro de casa

Alguns aspectos tornam a violência doméstica um crime que deve ser tratado de forma diferenciada. Um deles é o fato de que, em apenas 13,8% dos casos, o agressor é um desconhecido. O levantamento está no Mapa da Violência, divulgado esse ano pelo Instituto Sangari.

A dona-de-casa G.V., ainda lembra com lágrimas nos olhos do sofrimento passado durante 35 anos. O ex-marido, que atualmente é um capitão aposentado da Polícia Militar, usava dentro de casa os mesmos modos truculentos com que tratava os criminosos na rua. ?Ele era muito agressivo, sempre me batia e quebrava tudo dentro de casa?, conta G.V.

Embora tenha se divorciado, ela ainda teme o agressor e, por isso, não se identifica. Hoje, G.V. mora com a irmã e mostra os vestígios de destruição deixados pelo ex-marido. ?As portas da casa são todas quebradas, a geladeira tem marcas de enxada na porta e a televisão não funciona?, conta.

Esse caso confirma a pesquisa do Instituto Sangari, que revela: 27,1% dos agressores são os próprios cônjuges. O crime acontece dentro de casa em 68,8% dos casos. Agressão através da força ou espancamento é o tipo de violência utilizada em 56% das ocorrências.

De acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde, no ano de 2011, foram 48.152 atendimentos de mulheres vítimas de Violência Doméstica, Sexual e/ou outras Violências no Brasil.

O sofrimento que durou três décadas e meia para G.V. só foi suportado durante tanto tempo por medo, tanto do que o ex-marido pudesse fazer, quanto da impunidade em caso de denúncia. ?Eu achava que não ia dar em nada?, afirma a vítima.

De fato, pouca coisa aconteceu ao agressor após o divórcio. ?Nem com a casa eu pude ficar. O juiz determinou que é do dois, embora eu tenha ganhado o direito de morar nela. Ainda recebo uma pensão de R$ 400,00, mas isso não dá para reconstruir nada do que ele me fez perder?,lamenta a vítima.

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