Em conversas gravadas entre o auxiliar de ordens do Palácio do Planalto, o tenente-coronel Mauro Cid, e assessores do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é evidenciado a existência de uma instrução dada à ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, para que o pagamento de suas despesas fosse realizado com dinheiro em espécie.
A preocupação do tenente era que a ação fosse enquadrada como esquema de rachadinha, uma vez que não era comprovado a origem do montante gasto. Os diálogos foram realizados por meio de áudios trocados via Whatsapp.
Em virtude da quebra de sigilo, a Polícia Federal (PF) teve acesso às conversas telefônicas de Cid, que foi apreendido no dia 03 de maio por falsificar os cartões de imunidade tanto de si como de sua família. Além disso, a PF fez uma perícia nas transações financeiras do tenente e de outros ajudantes do ex-presidente. Essas investigações levaram à descoberta da existência de um esquema de desvios de verbas públicas para financiar as despesas pessoais de Michelle.
Segundo o relatório da PF, as conversas indicam a existência ilícita de uma "dinâmica sobre os depósitos em dinheiro para as contas de terceiros e a orientação de não deixar registros e impossibilidades de transferências".
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Cartão de crédito em nome de aliada
A operação identificou, ainda, que a ex-primeira-dama fazia uso de um cartão de crédito ligado à conta de uma amiga, Rosemary Cardoso Cordeiro, a qual ocupava cargo de assessoria parlamentar no Senado. Quando as quebras de sigilo de Mauro Cid e de outros servidores foram realizadas, a PF descobriu o histórico das transferências de dinheiro vivo para Rosemary, com a finalidade de bancar os gastos com o cartão de crédito. Isso feito a fim de camuflar a origem dos recursos.
Depois das descobertas, duas assessoras de Michelle - Cintia Borba Nogueira e Giselle dos Santos Carneiro da Silva - discutiram entre si e com Mauro Cid, expressando preocupação acerca das irregularidades no pagamento das contas da, agora, presidente do Partido Liberal (PL) Mulher.
Tentativas de frear Michelle
As assessoras tentaram convencer a ex-primeira-dama a parar de utilizar o cartão de crédito vinculado à amiga, mas não obtiveram sucesso.
“Então, hoje, é essa situação do cartão realmente é um pouco preocupante. O que eu sugiro para você é o seguinte. No momento que você for despachar com ela, é esse assunto. Você pode falar com ela assim sutilmente, né? (...) Mas eu acho que você poderia falar assim: dona Michelle, que é que a senhora acha da gente fazer um cartão para a senhora? Um cartão independente da Caixa. Pra evitar que a gente fique na dependência da Rosy. E aí a gente pode controlar melhor aqui as contas. (...) Pode alertá-las o seguinte, que isso pode dar problema futuramente, se algum dia, Deus o livre, a imprensa descobre que ela é dependente da Rose, pode gerar algum problema”, aconselhou Cintia Borba Nogueira, em áudio enviado a Giselle Carneiro, no dia 30 de outubro de 2020.
“Coronel, bom dia. Ontem eu conversei com a senhora Adriana para saber se ela tinha falado com a dona Michelle, né? Ela falou que conversou. Explicou, falou todos os problemas, preocupações, né? [...] Mas então o resultado foi que a dona Michelle ficou pensativa. Segundo a dona Adriana, ficou pensativa, mas que vai continuar com o cartão. E ela falou que tem, tem os comprovantes assim, né? Que esse cartão já era bem antes do presidente ser eleito. Mas de qualquer maneira, a dona Adriana falou que ela ficou pensativa, né? Ontem mesmo já fizemos uma compra, mas foi em outro cartão. Então eu estou vendo que realmente está sendo de pouco uso o da Caixa. Mas por enquanto é isso. Obrigada, tchau”, relatou Giselle Carneiro, em áudio enviado ao tenente-coronel Mauro Cid, no dia 25 de novembro de 2020.
Escolha do silêcio
Ao ser procurado, o advogado de Mauro Cid, Bernardo Fenelon, declarou que "a defesa técnica, por respeito ao Supremo Tribunal Federal, se manifestará apenas nos autos do processo". Também questionada, a assessoria da ex-primeira-dama preferiu não se pronunciar acerca das descobertas.