O Senado está avaliando a possibilidade de remover a 'vadiagem' da lista de contravenções do direito penal brasileiro. Esse delito existe desde os tempos do Império, punindo indivíduos que não possuem trabalho e se dedicam à ociosidade.
Atualmente, a punição para a vadiagem está prevista na Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688), assinada pelo presidente Getúlio Vargas em 1941, durante a ditadura do Estado Novo. Os chamados 'vadios' podem enfrentar até três meses de prisão.
A existência desse delito tem levado muitas pessoas, especialmente as mais pobres, a carregar a carteira de trabalho consigo ao sair de casa, buscando se proteger diante da possibilidade de abordagem policial.
O projeto de lei para abolir o delito de vadiagem (PL 1.212/2021) está avançando no Senado, tendo sido aprovado recentemente pela Comissão de Segurança Pública (CSP) e agora está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Caso seja aprovado no Senado, seguirá para a Câmara dos Deputados.
O autor do projeto é o senador Fabiano Contarato (PT-ES), que possui formação em direito e é delegado de polícia. Para ele, a contravenção da vadiagem deveria ter sido eliminada há muito tempo, pois seu verdadeiro objetivo é promover o racismo e o ódio contra os pobres.
Contarato destaca que a definição de 'vadiagem' é ampla e genérica, permitindo interpretações equivocadas pelos operadores do direito, resultando em um controle social do Estado sobre os cidadãos, promovendo desigualdades e penalizando os mais pobres. Especialistas têm apontado que a existência do delito promove o racismo.
"A tipificação penal da vadiagem vem de uma época em que prevalecia o chamado direito penal do autor. Punia-se a pessoa pelo que ela era, não pelo que ela fazia. Esse direito penal foi depois aplicado em regimes como o fascista, o nazista e o stalinista. Na democracia, não há espaço para ele. Por isso, muitos juízes e doutrinadores entendem que a vadiagem como contravenção não foi recepcionada pelo ordenamento jurídico da Constituição de 1988", pontuou o jurista Rubens Casara em entrevista à Agência Senado.
Nesse sentido, também à Agência Senado, o desembargador substituto do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) João Marcos Buch, reverberou sobre o teor da tipificação penal.
"A elite brasileira sabia que a escravidão seria abolida mais cedo ou mais tarde e certamente os futuros ex-escravizados não receberiam trabalho, terra, moradia, escola, indenização. Eles se transformariam automaticamente, na visão dessa elite, numa grande massa perigosa, violenta, criminosa, sem nada a perder. Com a criminalização da vadiagem, a elite buscou garantir a sua própria proteção e conservar, não mais pela via da escravidão, mas por meio da lei, o controle sobre a população negra", sinalizou.