O planejamento para conter potenciais incidentes durante as esperadas "manifestações" em 8 de janeiro deste ano foi elaborado dois dias antes dos eventos de cunho golpista. Nesse plano, o foco estava em um movimento pacífico, e ele foi assinado e elogiado por Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF).
No entanto, o plano não foi alterado mesmo quando novos alertas indicaram um cenário mais arriscado, envolvendo possíveis ameaças à democracia. Esse documento, considerado "genérico" por especialistas em planos operacionais, apresentou diversas falhas.As informações são do Metrópoles.
O Protocolo de Ações Integradas (PAI), elaborado para promover medidas de segurança e garantir o direito constitucional de livre manifestação, foi assinado por Anderson Torres antes de sua viagem para os Estados Unidos, juntamente com sua família. O protocolo foi resultado de uma reunião ocorrida em 6 de janeiro na SSP-DF, na qual membros das forças de segurança avaliaram a possibilidade de uma manifestação pacífica, com baixa adesão e risco mínimo, com base nas informações disponíveis na época.
No entanto, a situação evoluiu rapidamente e a convocação de apoiadores bolsonaristas nas redes sociais gerou alarme. No dia 7 de janeiro, o cenário havia mudado drasticamente, com expectativa de grande participação em uma manifestação chamada de "Tomada do Poder". Alertas foram emitidos indicando a possibilidade de invasões a órgãos públicos e bloqueio de instalações de combustíveis. Também foram relatados aumentos no número de manifestantes e indícios de confrontos com as forças de segurança.
O ex-diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Saulo Moura da Cunha prestou depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso e ressaltou ainda os alertas do órgão. Foram feitos 33 boletins de inteligência sobre o movimento golpista entre os dias 2 e 8 de janeiro.
Segundo depoimento, na manhã do dia 7, por exemplo, um informe era claro: “Mantêm-se convocações para ações violentas e tentativas de ocupações de prédios públicos, principalmente na Esplanada dos Ministérios”.
Segundo Saulo Moura, na tarde do dia 7, “os órgãos de segurança do GDF e alguns órgãos do governo federal já tinham ideia de que teríamos uma manifestação com grande número de pessoas”. A própria Polícia Federal, por meio do diretor-geral Andrei Passos, fez uma reunião com a SSP externando preocupação.
Apesar desses alertas, o plano de segurança não foi ajustado adequadamente para lidar com essa nova realidade. O documento não incluía estimativas de público, essenciais para a organização da segurança em grandes eventos. Além disso, a análise de risco, que normalmente está presente em protocolos similares, estava ausente nesse caso, apesar das ameaças em potencial. A alocação de recursos e efetivos também não refletiu as mudanças no cenário, e tropas especializadas não foram envolvidas adequadamente.
Uma fonte da segurança pública ouvida pela reportagem do Metrópoles, que foi identificada, informou que grandes protestos precisam de contenção de linhas de gradis duplos.
“Qualquer pessoa que entende de segurança pública sabe que o PAI está cheio de falhas. Não informa o público, não tem análise de risco, prevê o gradil simples, sendo que o gradil duplo é o que impediria que os manifestantes derrubassem aquela estrutura, porque uma parte ‘segura’ a outra. Ou seja, é um plano genérico. Com a mudança de cenário, ele tinha que ser refeito.”
A falta de ação proporcional às ameaças identificadas contribuiu para a escalada da situação, culminando na tentativa de invasão a prédios públicos. A gestão de segurança subestimou o perigo real e não tomou as medidas necessárias para conter os eventos violentos que se desenrolaram. Isso levanta questionamentos sobre a eficácia e a responsabilidade das autoridades de segurança pública na abordagem e gestão das manifestações.