Um ex-superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Maranhão relatou em fevereiro à Polícia Federal que recebeu uma oferta de propina na porta da sede do órgão ligado ao Ministério da Agricultura, em Brasília. A proposta, segundo o denunciante, foi feita em novembro do ano passado por um lobista e envolve um suposto esquema, financiado com recursos públicos, de construção de casas populares. As informações são do Jornal O Globo.
O autor da denúncia feita à PF é o advogado Marconi Gonçalves, responsável por comandar o instituto no Maranhão entre novembro de 2021 e janeiro deste ano. Ele contou em um depoimento por escrito que, ao tomar posse do cargo, em 18 de novembro, foi recebido em Brasília pelo presidente do Incra, Geraldo Melo Filho. O encontro está registrado na agenda oficial do chefe da autarquia. Logo depois, o ex-superintendente participou de uma reunião com um diretor do órgão. Neste momento, segundo o relato, entrou na sala o lobista Pablo Said — que, apesar de não fazer parte dos quadros de funcionários, demonstrava ter acesso a integrantes da cúpula do Incra.
“Ele (Pablo Said) informou que era empresário responsável pela construção dessas casas (do Incra), que tinha trânsito livre na autarquia e era amigo do presidente Geraldo Filho. (...) Que caso eu permanecesse com a política adotada na instituição eu teria um futuro longo e próspero na superintendência”, relatou o ex-superintendente à PF.
Gonçalves confirmou ao GLOBO o teor da denúncia que fez à PF. Ele contou que o lobista o levou para fazer um tour pela sede do Incra e, ao sair do prédio, propôs uma parceria.
"Ele chegou e disse para mim: que muitas casas seriam construídas no Maranhão, e ele tinha interesse na construção dessas casas. E que se eu pudesse de alguma forma ajudá-lo, que não mexesse na equipe. Resumindo, ele disse: 'Olha, rapaz, vamos fazer o seguinte: aqui todo mundo ganha o seu, e você não vai ficar do lado de fora. Eu te dou 10%' ", descreveu o ex-chefe do Incra no Maranhão.
Gonçalves ainda contou que, no dia seguinte à sua cerimônia de posse, em 19 de novembro, foi abordado de novo pelo lobista na área de embarque do aeroporto de Brasília. "Ele me disse: 'Rapaz, vamos trabalhar. Vão ser muitas casas construídas. Vai ser bom para todo mundo, todo mundo vai sair feliz. (...) Reveja a sua posição. É 10%. É muito bom'. Aí, eu não aceitei, e ele falou: 'Quero só te pedir uma coisa, então. Não mexe na estrutura da instituição' ", relatou o advogado, que afirma ter recusado o suposto pedido.
De acordo com Gonçalves, a oferta de propina envolvia dois acordos assinados pelo Incra em 17 de novembro — um dia antes de ele tomar posse no cargo. Os contratos previam a construção de mais de 7.700 unidades habitacionais em assentamentos no Maranhão com verba do programa de crédito habitacional.
Pelos termos do acordo, a Confederação Nacional da Agricultura Familiar do Brasil (Conaf) seria responsável por “disponibilizar” técnicos para a construção das casas, fiscalizar as obras e fazer “reuniões periódicas” com os beneficiários. Ao Incra, caberia o pagamento do crédito habitacional.
Gonçalves afirma que a proposta se referia a 10% do valor de cada casa, que varia de R$ 30 mil a R$ 40 mil. Neste formato de contratação, segundo ele, o dinheiro é depositado pelo Incra diretamente na conta dos assentados, que pagam às empresas indicadas pelas associações habilitadas.
Em nota, o Incra confirmou ter recebido a denúncia e encaminhado o caso à corregedoria “para apuração e adoção das medidas cabíveis”. “Portanto, ressalta-se que não houve omissão da autarquia em relação ao caso”, diz o texto. O presidente do instituto, Melo Filho, não quis se pronunciar.
Procurado pelo GLOBO, Said confirma que esteve com Gonçalves no Incra, mas nega ter oferecido propina ao advogado. Segundo ele, é “inviável financeiramente” o pagamento de 10% por unidade habitacional e que o contrato com o Incra ocorreu por meio de chamamento público, processo utilizado para firmar parcerias. Além disso, ele diz não pertencer a nenhum grupo político — o ex-superintendente que o acusou foi indicado pelo deputado Josimar Maranhãozinho (PL-MA), investigado pela PF em outro caso.
"Para mim, isso é uma surpresa. Eu estou tranquilo. Isso são coisas infundadas e caluniosas. (...) Nunca ofereci nem pedi nada. (...) Ele vai ter que provar. Casualmente, eu estava na antessala para tratar de projetos (no Incra), e ele estava também. Eu me apresentei para ele. Não tem encontro. Coincidentemente, descemos no mesmo elevador, na recepção e pronto. Aí, depois, não teve nada, zero. Se eu estivesse devendo, não tinha nem atendido a um jornalista", afirmou Said.
Signatário dos acordos de cooperação com o Incra, o presidente da Conaf, Gedir Santos Ferreira, confirmou que Said ficou encarregado das obras nos assentamentos do Maranhão, mas enfatizou que acredita “plenamente” na inocência dele.