O coletivo Vozes Judaicas por Libertação divulgou uma carta em apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que recentemente se tornou alvo de críticas por suas declarações sobre o conflito entre Israel e os palestinos na Faixa de Gaza. No último domingo (18), Lula comparou o ataque israelense ao Holocausto promovido pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, gerando uma reação intensa.
O ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, anunciou na segunda-feira (19) que Lula seria considerado "persona non grata" no país, um instrumento jurídico utilizado nas relações internacionais para indicar que um representante oficial estrangeiro não é bem-vindo.
Na carta, o coletivo Vozes Judaicas por Libertação expressa a impossibilidade de comparar e hierarquizar genocídios, ressaltando que cada experiência vivenciada por diferentes povos é única. O grupo destaca a contradição de o povo judaico ser ora vítima e agora algoz, e apoia as colocações de Lula, afirmando que ele expressou o sentimento de muitos membros do coletivo.
O coletivo afirma que, como judias e judeus, têm antepassados que foram vítimas do Holocausto nazista, mas ressaltam o imperativo ético de posicionarem-se contra o genocídio do povo palestino e contra a utilização da defesa judaica como justificativa.
A carta destaca a importância das palavras de Lula ao levantar questões sobre a urgência da ação diante do que ocorre em Gaza e critica as acusações de antissemitismo e o pedido de impeachment protocolado por parlamentares bolsonaristas, considerando-os medidas descabidas.
O coletivo Vozes Judaicas por Libertação conclui o manifesto cobrando que a radicalidade das palavras de Lula seja colocada em prática e faz um apelo ao governo brasileiro para atender as demandas do movimento internacional de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), liderado pelas bases da sociedade civil palestina.
Leia a carta na íntegra
"Dando um passo além nas contínuas denúncias dos crimes cometidos por Israel contra os palestinos, o presidente Lula causou furor ao fazer uma comparação entre o que ocorre hoje em Gaza e o que Hitler fez com os judeus durante o nazismo.
A comparação entre genocídios é sempre delicada pois a experiência vivenciada por cada povo afetado é inigualável. Cada um representa uma narrativa singular e dolorosa na história das comunidades vitimadas. Logo, não há como estabelecer qualquer hierarquia entre genocídios. É impossível estabelecer uma métrica objetiva para determinar o 'pior' genocídio da história. Categorizar historicamente vítimas maiores ou menores é uma perigosa armadilha de reprodução de racismo.
A contradição do povo judaico ser ora vítima e agora algoz é palpável, tenebrosa e desalentadora. Lula externou o que está no imaginário de muitos de nós. Uma comparação que causa muita dor a judias e judeus de todo mundo, que tiveram as suas vidas cindidas pelo genocídio dos judeus na Europa, e agora veem um crime similar sendo cometido, supostamente em seu nome. Enquanto coletivo de judias e judeus, temos antepassados que foram vítimas do Holocausto nazista, e entendemos que nosso imperativo ético é nos posicionarmos contra o genocídio do povo palestino e contra a utilização da nossa defesa como justificativa.
Se a criação e fundação de um Estado judaico foi uma medida de sobrevivência num mundo sitiado, ela logo se tornou um pesadelo. O Estado de Israel não trouxe emancipação verdadeira aos judeus pois a sua existência é mantida às custas da negação da autodeterminação dos palestinos. As lideranças israelenses seguem promovendo um massacre contra palestinos e ainda ameaçam a vida de judeus e judias em todo o mundo. Israel representa hoje a maior fonte de insegurança para todos os judeus do planeta ao usar nossa identidade como fachada e justificativa para sua campanha de terror.
Por isso, defendemos e acreditamos que as palavras de Lula são de grande importância pois levantam questões relacionadas à urgência da ação, como um chamado definitivo dirigido a todos para agir diante do que ocorre em Gaza neste momento. Frente à incapacidade da ONU e de várias organizações internacionais em conter a violência perpetrada por Israel em Gaza, destaca-se a importância vital da postura demonstrada por líderes internacionais como Lula, que levantam suas vozes contra o que é já considerado por incontáveis especialistas como um genocídio contra o povo palestino.
As palavras têm poder. Se a forma como Lula se expressou na ocasião foi pouco cuidadosa – tropeçando justamente neste ninho de comparações forçadas – sua fala tem o objetivo de atingir a imaginação e provocar uma crise moral sobre Israel. O pedido de impeachment protocolado pelos deputados bolsonaristas é uma medida descabida, assim como as acusações de antissemitismo – cujo real objetivo é deslegitimar o governo e a diplomacia brasileira. Não acreditamos que judeus brasileiros estão em risco por causa de sua declaração.
Apoiamos as colocações do presidente Lula e cobramos que a radicalidade de suas palavras seja colocada em prática. Seria um gesto diplomático de relevância gigantesca romper todas as relações entre o estado brasileiro e Israel, em especial as relações militares que também fortalecem a barbárie em terras brasileiras, com a compra de armas e tecnologias de controle social que são usadas para atingir a vida do povo negro nas favelas. Convocar o embaixador brasileiro em Tel Aviv foi um passo ainda insuficiente nessa direção.
Por fim, convidamos a todas e todos, mas principalmente ao governo brasileiro a atender as demandas do movimento internacional de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), liderado pelas bases da sociedade civil palestina. O povo palestino tem pressa e nossas ações têm poder".
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